top of page
São Paulo - SP - 08.01.2024 - Movimentos sociais fazem ato para marcar 08.01 em frente ao

Legenda: Movimentos sociais se reúnem em ato para relembrar tentativa de golpe de Estado no Brasil, em 2023. São Paulo. 8 de janeiro de 2024 | Foto: Paulo Pinto - Agência Brasil

EXPEDITO FILHO, O REPÓRTER DA EDITORIA DEMOCRACIA

 

“Ampla, geral e irrestrita”. Existe alguma forma de ler essas três palavras e não pensar imediatamente na Lei da Anistia? Para o repórter Expedito Filho, não. Entretanto, seu perfil de jornalista foi capaz de abarcar aos termos uma outra discussão. 

 

A anistia já ocupava o centro das discussões políticas desde 1974, ano em que surgem os primeiros movimentos populares pela causa, como o Movimento Feminino Pela Anistia (MFPA), lançado pela ex-prisioneira política Therezinha Zerbini e amplamente panfletado pelo boletim informativo feminista Maria Quitéria. Desde que o tema passou a ser debatido, tornou-se objeto de intensas disputas políticas e sociais. 

 

Enquanto uma ala ligada aos militares defendia que a medida deveria ser ampla e geral, em benefício tanto a opositores do regime militar quanto a agentes do Estado que haviam cometido violações políticas, outros argumentavam que a anistia deveria ser restrita apenas aos exilados e presos políticos, em exclusão àqueles que haviam praticado tortura e outros delitos aos direitos humanos durante o período do governo autoritário.

O tema inspirou o “foca” Expedito Filho. Em 1979, ano de promulgação da Lei da Anistia, o jornalista entrevistou o deputado federal José Frejat, que havia apresentado um substitutivo a um projeto de lei (PL) que visava proibir o cativeiro de pássaros e estabelecia uma pena de prisão de um mês a um ano para infratores. À reportagem deu o nome de “Anistia para os pássaros”, publicada pela extinta revista O Cruzeiro

Expedito Filho - Anistia para os Pássaros.png

Legenda: Primeira página da reportagem “Anistia para os pássaros”, de Expedito Filho, para a revista O Cruzeiro, em 1979. Reprodução: BNDigital - Fundação Biblioteca Nacional

A referida matéria tematiza a luta de políticos e dirigentes de sociedades protetoras de animais e de defesa da ecologia, mas a metáfora, em pleno regime de exceção, além de prenunciar o faro jornalístico de Filho para questões de vanguarda, subliminarmente transmitia um recado político. Em determinado trecho, o texto de Filho faz alusão à polarização que rodeava a anistia.

 

“Nessa verdadeira anistia aos pássaros, fica a luta dos dois lados: os que condenam o desmatamento com a consequente fuga dos pássaros para locais inadequados e a extinção das espécies; e os que condenam o cativeiro das aves, que provoca o desmatamento, pois desaparece a polinização.”

 

Ao fim da reportagem, Filho destaca os versos do poeta baiano Camafeu de Oxossi: “Felicidade não se canta na gaiola, meu pássaro não canta, meu pássaro chora… chora… chora…”. No texto, direciona a poesia “para os que são contra o cativeiro”.

 

Era a mensagem cifrada de liberdade ansiada tanto para os pássaros quanto para os “engaiolados” políticos, enlaçada pela disposição política e pelo estilo literário que seriam marcantes em reportagens posteriores de Filho. “Essa era a forma que nós tínhamos de pegar um assunto que poucas pessoas estavam de olho e mandar um recado crítico para o sistema”, diz o jornalista. 

 

O repórter chegou à capital federal naquele mesmo ano de 1979 e, n’O Cruzeiro, emplacou matérias como “As últimas da malandragem: todos nós somos otários” e “Aborto: o crime consentido”, em parceria com Zilma Barbosa. “Lá desenvolvi matérias muito interessantes. Foi uma passagem muito importante. Aprendi a escrever com eles. Aprendi a investigar com a revista”, afirma. 

 

Outra grande escola para Filho foi o Jornal de Brasília, por onde cobriu a campanha histórica Diretas Já!. “Era um jornal quase alternativo, por ser local. Nós tínhamos tanta liberdade, sabe? Foi quase um laboratório para o que eu viria a seguir anos depois”. De passagem pelo Correio Braziliense, cobriu a morte de Tancredo Neves, em 1985. 


Da época, destaca como buscava se sobressair enquanto as técnicas de redação jornalística como o lead ditavam um padrão, que, em sua opinião, limitam a criatividade e precarizam o texto. “Eu era fascinado pelo jornalismo da pré-objetividade do modelo norte-americano”, conta, ao acrescentar que não mantinha predileção por editorias.

“Eu procurava algo meio impressionista, sabe? E queria sempre romper com a objetividade. Já naquela época eu achava que o repórter deveria intervir, trazer um pouco do lado mais emocional de cada história. Encontrei possibilidade para isso em dois lugares: na Veja e no Jornal do Brasil. Eu sentia muita liberdade para escrever assim. As matérias no Jornal do Brasil não eram ‘correntinhas’, quadradas. Na Veja conquistei o direito de escrever grandes reportagens assim. Mário Sérgio Conti e Paulo Moreira Leite perceberam esse meu viés. Eu procurava ser muito forte em apuração, apresentar detalhes muito ricos. Eu vivia as matérias.”

Para o jornalista, não havia sentido contar histórias se não fosse dessa maneira. “Eu entendia os personagens, queria saber como se vestiam e se comportavam, sentia compaixão. Eu procurava entender como a vida se desenrola, às vezes, de uns acontecimentos muito simples, muito banais, sabe? Como se fosse um cinema. A gente parte de uma determinada ação, e, de repente, encontra tramas incríveis, lida com situações de vida ou morte. Eu mergulhava nesses aspectos”, detalha.

 

Filho se reconhece como um repórter que militava pela democracia. Ele foi signatário de uma carta que reuniu dezenas de jornalistas que pediam o retorno das eleições diretas e a agilidade do processo de redemocratização, em 1980. “Todos nós que vivemos esse período trazíamos esse engajamento pela causa. Então, eu fui muito influenciado por esse clima de efervescência política, pelo retorno da democracia. Podíamos ter nossas diferenças, nossas empresas não eram as mesmas, mas a classe tinha esse clamor em comum e nossas ações eram muito voltadas a isso”, conta. O temor era reforçado diante de ameaças de setores do militarismo que se opunham à transição, apesar de todo o controle que as Forças Armadas exerceram durante o curso dos anos pós-anistia.

 

Passada a redemocratização, Filho sentiu a necessidade de aprofundar ainda mais o jornalismo que praticava.

 

“Não temos mais a ‘bandeira da democracia’. Abriu! Agora, vamos fazer ela se fortalecer. E como? Como um jornalista”. Filho distingue os momentos e sua postura para sinalizar uma inclinação de maior profissionalização da sua atividade no âmbito pessoal. Com passagens por quase todos os principais veículos do País, Expedito Filho coleciona honrarias e lembra-se com afeto do Prêmio Esso na categoria Informação Política pela reportagem “O Grampo de Sempre”, publicada pela revista IstoÉ, em 1986. 


A reportagem “caiu em seu colo” após esbarrar com uma colega que entregou a informação de que a Telebras seria privatizada. “Naquela época, isso era visto como uma ideia horrorosa em Brasília. Essa colega tentou ‘vender’ a pauta para o Estadão, que não aceitou. E ela me disse: ‘Envolve até escuta telefônica!’, no que eu perguntei: ‘Em plena democracia?’. Então, a pauta vira outra. Vou atrás disso. Foi a minha primeira pauta na IstoÉ. No Correio Braziliense também ninguém quis”, relata.

Legenda: Bomba explode no interior de um automóvel Puma, mata o sargento Guilherme Pereira do Rosário e fere o capitão Wilson Luís Chaves Machado. 30 de abril de 1981. Reprodução: Rede Brasil Atual

Em 1991, Filho foi reconhecido pelo Prêmio Líbero Badaró devido a sua reportagem “Farsa Bombástica”, veiculada pela Veja, que consistia em uma remontagem e uma investigação mais ampla sobre o caso do Atentado do Riocentro dez anos depois. “Os militares tinham medo de que essa reportagem pudesse quebrar o pacto em torno da Lei da Anistia. A repercussão foi violenta, justamente pelos nomes trazidos. Cheguei a ficar um tempo afastado para não me expor, mas foi uma matéria muito interessante”. 

O atentado do Riocentro ocorreu em 30 de abril de 1981, durante um show em comemoração ao Dia do Trabalho. Um carro-bomba explodiu no estacionamento do Riocentro, no Rio de Janeiro, e matou um dos envolvidos, o sargento Guilherme Pereira do Rosário. O capitão Wilson Machado ficou gravemente ferido. 

O ataque foi planejado por setores da extrema-direita militar para gerar um clima de terror e desestabilizar o processo de abertura política do Brasil, iniciado dois anos antes. O objetivo era atribuir a responsabilidade do atentado a grupos de esquerda, mas o plano fracassou devido à explosão prematura do artefato.

Filho se recorda de repercussões junto ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Supremo Tribunal de Justiça (STF) e diz que informações obtidas em primeira mão pela reportagem embasaram até mesmo uma edição especial do Globo Repórter, em 1996, com uma matéria do repórter Caco Barcellos. Na ocasião, o programa relembrou os quinze anos do ato terrorista.

 

Por anos, Filho dividiu-se entre as matérias investigativas e os bastidores do Congresso Nacional. Para ele, não havia distinção entre o que cobria das negociações entre o Poder Executivo e os parlamentares e as longas viagens que fazia para produzir reportagens mais longas. 

 

Como uma maneira de se reposicionar na profissão e não se deslumbrar, conta que exercitava uma espécie de mantra. 

 

“Eu não posso me acostumar com isso. Eu preciso estranhar. Se eu entrar no Congresso Nacional e começar a achar tudo natural, pensar que as fontes devem vir até mim, vou perder a capacidade de ver o diferente, de distinguir o que temos de notícia ou não. Eu preciso estranhar a começar pelo tapete, pelo cabideiro. Eu mudava até mesmo a forma de entrar, às vezes, sabe? Me metia a entrar por algum lugar que ninguém ainda tinha entrado, sempre em busca de um olhar diferente”, relata.

Expedito Filho - Livro_edited.jpg

Legenda: Capa do livro “Nos Bastidores da Campanha: Crônica de uma Vitória”, escrito por Expedito Filho. 1994.

Tamanha experiência com os corredores do poder viabilizou ainda um livro. Filho escreveu “Nos Bastidores da Campanha: Crônica de uma Vitória”, publicado em 1994, com relatos exclusivos sobre os percursos de Fernando Henrique Cardoso pelo País. O então candidato e ex-ministro da Fazenda consagrou-se na saga eleitoral pela primeira vez, em primeiro turno, no ano de 1994. Sua candidatura foi favorecida pela implementação do bem sucedido Plano Real, ocorrida meses antes. 

 

Há mais de uma década, Filho passou a atuar em relações públicas. Anos antes, viveu um período como colunista correspondente em Nova Iorque e cobriu a reeleição do então presidente republicano George W. Bush em 2004 para a revista Época.

 

O jornalista entrevistou Delúbio Soares, ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), no auge do escândalo do Mensalão, em 2005, para o jornal O Estado de S.Paulo. Ao repórter, o político disse que o episódio seria esquecido e viraria “piada de salão”.

Expedito Filho - Dr. Protógenes Queiroz.png

Legenda: Capa da revista Veja, de 11 de março de 2009, ano 42 e N° 10.

Em seu currículo, Filho registra ainda a denúncia de um esquema de espionagem ilegal de Protógenes Queiroz, delegado da Polícia Federal (PF), conhecido por sua atuação em operações de grande visibilidade, especialmente a Operação Satiagraha em 2008. A matéria foi publicada pela Veja no ano seguinte.

 

“Eu vivia para o jornalismo. Era vinte e cinco horas em prol. Eu trabalhava muito, gostava muito. O cansaço que eu tinha, principalmente nos anos 1980, era porque, apesar de todo esse esforço, às vezes achava que não tinha o espaço necessário para essa ou aquela matéria. Isso era um desafio. Mas sempre procurei cuidar de mim, me exercitava”.

 

Aos 35 anos, em 1992, quando já havia escrito o seu nome entre os talentos do jornalismo brasileiro, Filho produziu as reportagens “Anatomia da Sombra” e “Autópsia da Sombra”.

 

bottom of page